Sem opção de parto normal, gestantes que não quiserem deixar a cidade para dar a luz são obrigadas a fazer cesariana em Sidrolândia, município a 71 quilômetros da Capital. Aquelas que desejam o procedimento de forma natural precisam se deslocar até a Campo Grande para realizarem o desejo. O CPN (Centro de Parto Normal) Magdalena Targa do Nascimento, anexo Hospital Beneficente Dona Elmiria Silvério Barbosa, que realizava os partos normais, fechou em maio de 2023 e deixou as mulheres sem opção no município.
O assunto voltou à tona após a unidade hospitalar ter postado um vídeo nas redes sociais onde comemora a primeira cesariana feita no local depois de cinco anos de hiato. Foi criado até projeto “Cesáreas eletivas em pacientes de baixo risco”, que gerou polêmica, por estimular o tipo de procedimento que normas internacionais mandam realizar apenas em situação extrema.
Segundo secretária municipal de saúde, Elaine Brito, o hospital informou à pasta em 2023, que não tinha condições de atender as pacientes grávidas, por isso acabaram com os partos. Mas surpreendeu agora retomando apenas as cesáreas “O hospital tomou a decisão no ano passado dizendo que não tinha retaguarda [mão de obra especializada], para atender gestantes e agora eles contratam médicos para operarem cesarianas? Este procedimento só é recomendado para mulheres que tiveram complicações”.
Segundo ela, o hospital atendia gestantes de baixo risco e seguia as normativas da Rede Cegonha. “Esse serviço tinha financiamento do Ministério da Saúde, Estado e município. O serviço estava estruturado dentro de regras, normas e protocolos rígidos de cuidado entre a mulher e o bebê. O município buscou de todas as formas meio para que a entidade entendesse a importância e mantivesse o serviço, mas infelizmente não conseguimos avançar”.
A ADOMS (Associação de Doulas de Mato Grosso do Sul) emitiu uma nota de repúdio, onde explica que o hospital de referência, não cumpriu com a decisão judicial que exigia a contratação de uma equipe formada por obstetra, anestesista, ginecologista e pediatra, para atuar nos casos de emergência com as parturientes e/ou recém-nascidos. Segundo a associação, esse foi um dos motivos para o fechamento. Hoje, segundo anunciado no vídeo, o hospital dispõe do efetivo para cesarianas.
Quem também se preocupou com a postagem e exigiu que o hospital explicasse o retorno apenas desse tipo de operações foi a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, que avaliou a decisão como retrocesso. O órgão entende que a postagem contém falta de informação e prática de ações contrárias à legislação vigente.
“ O hospital precisa se adequar também com essa forma de nascimento [parto normal], você precisa trabalhar voltada com o incentivo ao parto normal. Você coloca um vídeo dando a entender que as vias do parto é por meio cirúrgico como salvadora de vidas, mas elas possuem indicações para gestantes de baixo risco. Não se pode naturalizar”, explica Thaísa Defante, coordenadora da Nudedh (Núcleos de Direitos Humanos).
Ela acrescenta que foi feito um pedido a secretária do estado para que determine a exclusão do vídeo e que o hospital se adéque a determinação do Ministério da Saúde e do SUS.
“Um vídeo como esse precisa mesmo chamar a atenção, porque isso não está certo. A gente vem em uma luta para que as coisas melhorem, fazemos trabalhos de conscientização [sobre parto humanizado] e em 2024 você assiste esse tipo de desinformação”, finaliza.
Conforme a secretária, o município não consegue intervir em decisões como esta por parte da unidade, por se tratar de um hospital filantrópico. “Para a gestão da secretaria fica difícil intervir. A única coisa que podemos fazer é continuar buscando o diálogo e entendimento para as normas do SUS. A Defensoria está respaldada e questionada com razão”.
Riscos – A ADOMS alerta para os riscos com a cirurgia, sem que haja necessidade de questiona a decisão do hospital.
”O hospital ainda alega que as pacientes de baixo risco têm indicação para a cirurgia eletiva, sendo que as indicações anteparto deste procedimento são muito restritas e ligadas à condições de risco iminente à saúde materna e fetal, portanto, nos perguntamos: quais são essas indicações para cirurgias eletivas em mulheres com gestações de risco habitual?”
O CPN foi o primeiro de Mato Grosso do Sul. Segundo a Associação, no local, as mulheres tinham acesso a nascimentos dignos e respeitosos, além de uma estratégia eficiente para a redução da mortalidade materna e neonatal.
“De 2021 até março de 2023, enquanto o CPN ainda se mantinha de portas abertas, foram assistidos 582 partos humanizados, sendo 98,6% deles por enfermeiros obstetras”.
Em 2023 o hospital explicou, em nota, ao Campo Grande News que a falta de recursos tornou impossível a manutenção do centro. “Salientamos que buscamos reiteradamente apoio por parte do Poder Público para custeio da equipe de retaguarda e mantimento do Centro, mas não obtivemos retorno e dado a falta de recursos, tornou-se impossível a manutenção devido a determinação judicial”, explica trecho da nota.
Entenda- O assunto gera debates, visto que algumas mães desejam o parto cesariano no sistema único de saúde. De acordo com o critério para encaminhamento de cesárea/laqueadura é feito apenas se a mulher estiver dentro do parâmetro de vulnerabilidade, até 60 dias antes do parto.
Dentre as principais indicações para uma cesárea estão: incompatibilidade feto-pélvica (que ocorre quando o canal de parto não permite a passagem do bebê); placenta prévia, (problema na ligação entre o cordão umbilical e a placenta); passagem do feto impossibilitada, entre outros.
A reportagem entrou em contato com o Hospital Beneficente Dona Elmíria Silvério Barbosa, mas não obteve retorno até a conclusão desta matéria.
(Fonte: CampoGrandeNews. Foto: Divulgação)