O trabalho filantrópico feito por nove protetores independentes de animais, responsáveis por um projeto com sete abrigos em Campo Grande onde estão cerca de 450 animais, soma uma dívida de quase R$ 50 mil reais. São gastos que incluem limpeza, aluguel, fornecimento de água, de energia, resgate dos animais, tratamentos em clínicas veterinárias e remédios.
A protetora de animais independente Michele Vaz, 27 anos, é a idealizadora do projeto “Tia Mi e os Pets”, que atua no resgate, tratamento e oferece abrigo aos animais vítimas de abandono, acidentes e maus tratos. A iniciativa existe há quatro anos e conta com a parceria de nove protetores independentes.
Os gastos mensais ultrapassam a marca de R$ 20 mil. Michelle é responsável pela parte administrativa e pelo resgate. Ela quem corre atrás das doações para pagar as despesas e bancar a alimentação dos animais. “Faço toda a mobilização de resgate, a parte de levar pra clínica e pagar a clínica é comigo. A gente vive de doações e do meu salário, que não é muito, eu ganho um salário mínimo. Todas as outras meninas estão desempregadas. Quando não tem doação a gente tem que se virar, com fubá, com arroz, pra não deixar eles com fome”.
Nos abrigos, os parceiros de Michelle são responsáveis pela alimentação dos animais e pela limpeza do local: “Tem que ser feita três vezes ao dia porque senão os vizinhos denunciam a gente por cheiro”.
A professora Eliane Pereira, 57 anos, é parceira do projeto e uma das responsáveis por receber e cuidar dos animais resgatados em casa. A protetora abriu as portas da sua residência para receber a reportagem. Ao chegar a equipe deu de cara com um dos fornecedores de ração na porta, cobrando uma dívida de R$ 800. Só no abrigo visitado, é gasto por semana 300 quilos de ração. No local, atualmente, são quatro contas de energia em atraso, além de duas de água e o aluguel.
Ela cuida do maior abrigo do projeto, que fica no Pioneiros, e acolhe 200 gatos e sete cachorros de grande porte. A rotina da professora é fazer a limpeza do abrigo três vezes por dia, ver quem está doente, alimentar e medicar os animais.
Ao conversar com a reportagem, Eliane revela que o trabalho de uma protetora é em tempo integral, totalmente independente e solitário. Escolher os animais significou para ela abrir mão das próprias prioridades, e passou a viver a vida em função deles. “Eu não tiro férias, eu não saio, eu não vou em lugar nenhum. Ficar um dia inteiro fora não dá, porque tem que cuidar deles, porque eles brigam, tem horário de dar remédio, então a gente vive em função deles”.
A professora garante que prefere a companhia dos animais e é feliz com a rotina. Apesar da dificuldade, Eliane diz que “ganha em troca a gratidão deles”, e para ela isso vale qualquer sacrifício e quantia alguma em dinheiro paga. “Tem hora que eu falo ‘não aguento mais’, aí eu olho para eles e não consigo [desistir]”.
Eliane explica que protetores independentes atuam totalmente sozinhos, sem filiação a ONGs de proteção animal e sem apoio do poder público. “O pessoal fala que as ONGs não têm obrigação de ajudar protetor independente, se tu pegou [os animais] é porque tu tem condições de cuidar, é essa a visão”, desabafa.
A professora relata que o trabalho dos protetores é desacreditado e negligenciado, então a maior dificuldade para conseguir doações está na visão da sociedade de que a causa animal não é importante: “Tem várias pessoas que a gente procura ajuda e fala assim: ‘Por que vocês não vão ajudar crianças? Porque vocês não vão ajudar gente?’. Tem esse preconceito”.
Por estarem localizados em áreas residenciais, os abrigos causam incômodo aos vizinhos. “Implicam com isso aqui. Todo mundo quer destruir, ninguém quer ajudar. Ninguém chega aqui pra ajudar, só para incomodar”, resume Eliane.
Abandono – Um dos problemas crônicos, de acordo com Eliane, é a adoção irresponsável. Muitas famílias adotam, mas na primeira dificuldade abandonam os animais à própria sorte. A cena acontece com frequência na porta da casa da professora. Os animais são abandonados à beira da morte, com diarreia, sarna e outras doenças. “As pessoas pegam um animal pra cuidar e não pensam que a vida delas vai mudar. O que você vai fazer com esse pet? Ele faz parte da sua família, você não pode descartar como se fosse um objeto”, conta.
Eliane relembra o caso de três filhotes de gato que foram abandonados debilitados na porta da casa dela. Ela acolheu todos, fez tratamento, mas infelizmente apenas uma, batizada de Brisa, sobreviveu. “A pessoa quando vem soltar gato aqui, ela não quer ser informada, ela quer se livrar do problema dela. Você traz o seu problema e joga nas costas dos outros, e sai livre leve e solta, e eu fico com dois três gatos que vai dar mais sujeira, mais ração”.
Michelle Vaz, responsável pelos resgates, expõe que as pessoas agem como se as protetoras tivessem obrigação de ir buscar os animais quando as famílias não querem mais. “As pessoas ligam: ‘Ah eu tenho dois labradores aqui que horas você pode vir buscar um porque eu não quero mais’. Como se eu tivesse obrigação de pegar e enfiar em algum lugar, e não tem onde colocar”.
Adoção – De acordo com Michele, a procura pela adoção é pouca e é difícil encontrar pessoas dispostas a adotar animais sem raça de maneira responsável. “Eles procuram a gente atrás de animais de raça”, resume.
Rede de apoio – Michele nunca pensou em desistir, mesmo com todas as dificuldades. O projeto funciona como uma grande rede de apoio, onde os parceiros podem contar uns com os outros para manter o projeto de pé e funcionando. “É uma salvando a outra sempre”, diz. A protetora descreve que quando chega aos abrigos, os animais “ficam doidos” de felicidade, pois entendem que serão alimentados e irão receber apoio e carinho da protetora.
A atitude é refletida nos mais de 200 animais presentes no abrigo visitado, todos bem cuidados e à vontade ao circular no espaço. “Quando chega ração aqui, se você pudesse ver a felicidade. Não há dinheiro no mundo que pague a gratidão deles com a gente. Sempre amei os animais, pra mim os animais na terra e Deus no céu”, relata.
Doações – O projeto “Tia Mi e os Pets” não é financiado por nenhuma empresa ou instituição e sobrevive apenas de doações. Para conferir o trabalho do grupo e prestação de contas, basta acessar o perfil do Instagram @mipetse, administrado por Michelle.
(Fonte: CampoGrandeNews. Fotos: Divulgação)