A covid-19 evoluiu rapidamente nos corpos de Thiago e Antonielle Weckerlin (ou Nielle, como era conhecida). Casados por 13 anos, ambos acabariam intubados na mesma UTI de Ponta Grossa, no hospital do Coração Bom Jesus. Primeiro morreu Thiago, numa madrugada de março de 2021, pouco antes de completar 35 anos. Onze dias depois, sem sequer ter chegado a saber que ficara viúva, morreria Nielle, aos 38 anos. “Nossa querida Nielle não resistiu e agora foi encontrar com Thiago e Jesus no céu”, dizia um post de luto da igreja evangélica que a família frequentava na cidade.
O casal, enterrado lado a lado, deixou quatro filhos, dois meninos e duas meninas. As crianças, com idades entre 1 e 11 anos, agora vivem com familiares que dizem ter condições financeiras de sustentá-los. Ainda assim, amigos e familiares arrecadaram R$ 70 mil em um esforço para ajudar o futuro delas.
As quatro crianças são parte dos mais de 113 mil menores de idade brasileiros que perderam o pai, a mãe ou ambos para a covid-19 entre março de 2020 e abril de 2021. Se consideradas as crianças e adolescentes que tinham como principal cuidador os avós/avôs, esse número salta para 130 mil no país. Globalmente, a cifra ultrapassa 1,5 milhão de órfãos, de acordo com um estudo publicado na última terça-feira, 20/7, no periódico científico Lancet.
“Se você parar agora e contar até 12, é o tempo que basta para haver um novo órfão por covid-19 no mundo”, afirmou à BBC News Brasil a cientista que liderou o estudo, Susan Hillis, pesquisadora de doenças infecciosas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC).
Hillis, ela mesma mãe adotiva de 11 filhos, se esforça para confrontar uma ideia que se disseminou desde o início da pandemia de que crianças não são afetadas pela covid-19. De acordo com a cientista, a magnitude no número de órfãos expõe exatamente o oposto, mas autoridades de diferentes países e a sociedade em geral têm ignorado — ou agido de modo lento demais — para ajudar esses menores de idade em situação tão extrema.
Para além da tragédia emocional, muitas famílias perderam pais ou mães que eram as principais fontes de renda da casa. Hillis defende que haja inclusão imediata desses menores de idade em programas de transferência de renda, para combater a vulnerabilidade financeira e social que vem junto com a orfandade. Essa seria uma necessidade especialmente verdadeira no Brasil, onde a maior parte dos órfãos, 87,5 mil, perdeu o pai, historicamente o responsável pelo sustento financeiro do lar.
No Congresso brasileiro, onde Thiago e Nielle foram homenageados por um deputado federal do Paraná, tramitam diversos projetos de lei para beneficiar com assistência social órfãos da covid-19. O governo federal já anunciou que planeja pagar uma pensão para órfãos já inscritos em programas sociais, algo em torno de 68 mil menores de idade, segundo estimativas.
Mas nenhuma dessas propostas de auxílio saiu do papel ainda. “Nossos dados são muito claros em mostrar que o Brasil é o segundo país com maior número de órfãos, atrás apenas do México”, afirma Hillis. “Só posso dizer que existe um chamado urgente para que o país previna mortes e se prepare para proteger as crianças que vão precisar.”
(Com assessoria. Fotos: Divulgação)