Um desenho, uma “brincadeira” ou um comportamento mais tímido podem ser evidências de que uma criança esteja passando por situação de violência ou abuso sexual. Porém, muitos casos de estupros, que poderiam ter sido evitados, ficam escondidos nos lares, às vezes por anos, situação que resulta em grande sofrimento emocional e pode ocasionar sérios prejuízos tanto ao desenvolvimento infantojuvenil quanto para a vida adulta.
Em Corumbá, uma jovem de 19 anos tomou coragem e procurou a polícia para denunciar o padrasto pelos estupros que sofria desde quando tinha 7 anos. O homem de 44 anos foi preso no mês passado. Conforme as investigações, o estuprador negava alimentos e impedia que a vítima tomasse banho quente quando ela se recusava a ceder aos abusos sexuais, e ainda, tornava-se agressivo com a sua mãe.
O Campo Grande News traz, abaixo, a entrevista com a psicóloga e psicopedagoga, Thaís Marcela Jaymes Lemos da Mota, especialista no assunto, para ajudar pais, mães, parentes e professores a prevenir ou identificar casos de abuso infantil. A profissional explica que agir de modo agressivo, apresentar choros, ataques de ira, comportamentos de birra, assim como o de desobedecer pais e professores também podem ser sinais apresentados pela criança.
Campo Grande News – Quais as atitudes ou mudanças de comportamento que uma criança que foi ou está sendo violentada apresenta?
Problemas no sono, pesadelos, terrores noturnos e comportamento-problema, como agir de modo agressivo, apresentar choros, ataques de ira, birra, assim como o de desobedecer a pais e professores, apresentar medo de pessoas ou lugares.
A criança nunca agiu de determinada forma e, de repente, passa a agir. Se começa a apresentar medos que não tinha antes como do escuro, de ficar sozinha ou perto de determinadas pessoas. Ou então mudanças extremas no humor: a criança era super extrovertida e passa a ser muito introvertida. Era super calma e passa a ser agressiva.
Como a maioria dos abusos acontece com pessoas da família, às vezes a criança apresenta rejeição a essa pessoa, fica em pânico quando está perto dela. Em outros casos, a rejeição não se dá em relação a uma pessoa específica, mas a uma atividade. A criança não quer ir a uma atividade extracurricular, visitar um parente ou vizinho ou mesmo voltar para casa depois da escola.
Outro alerta é com a proximidade excessiva. Se, ao chegar à casa de tios, por exemplo, a criança desaparece por horas brincando com um primo mais velho ou se é alvo de um interesse incomum de membros mais velhos da família em situações em que ficam sozinhos sem supervisão, é preciso estar atento ao que possa estar ocorrendo nessa relação.
Regressão de comportamentos infantis, que a criança já tinha abandonado, mas volta a apresentar de repente. Coisas simples, como fazer xixi na cama ou voltar a chupar o dedo. Ou ainda começar a chorar sem motivo aparente.
Às vezes, de repente, a criança começa a ter uma aparência mais descuidada, não quer trocar de roupa. Outras passam a não comer direito. Ou passam a comer demais. Um desenho, uma “brincadeira” ou um comportamento mais envergonhado podem ser sinais de que uma criança esteja passando por uma situação de abuso. Quando uma criança que, por exemplo, nunca falou de sexualidade começa a fazer desenhos em que aparecem genitais, isso pode ser um indicador. Há também os sinais mais óbvios de violência sexual em menores – casos que deixam marcas físicas que, inclusive, podem ser usadas como provas à Justiça.
Campo Grande News – Como pais e responsáveis podem ensinar seus filhos a não caírem em tentativas de aliciamento ou abuso?
Converse com a criança sobre as partes íntimas do corpo. As crianças precisam saber nomear corretamente as partes do corpo e identificar o que é íntimo, para assim, poderem relatar aos pais quando algo fora do comum acontecer. Ensine ao seu filho o nome correto de todas as partes do corpo e explique sobre as partes íntimas, ensinando que ninguém poderá tocar nessas regiões e nem vê-las, apenas os pais quando forem dar banho ou trocar de roupa.
Explique sobre os limites do corpo. Ensine a criança a não permitir que ninguém toque as suas partes íntimas, ou ainda, que ela não toque nas partes íntimas de nenhuma pessoa, seja ela conhecida ou desconhecida. Alerte a criança para possíveis artimanhas usadas pelos abusadores, como trocar carícias por doces, apresentar um “cachorrinho” e assim por diante.
Campo Grande News – Por que é tão importante incentivar a criança a conversar, sobre todos os assuntos, com os pais?
É preciso que o seu filho se sinta seguro para lhe contar qualquer coisa, inclusive uma situação de abuso. Muitas vezes, o abusador pede à criança para manter o ocorrido em segredo, seja ameaçando-a ou de maneiras lúdicas. Se o seu filho for ensinado que segredos não são coisas boas e que ele sempre poderá (e deverá) contar a você tudo o que acontece, será mais fácil de identificar uma situação de abuso. Lembre-se que essa relação de confiança é muito importante e, por isso, a criança nunca deverá ser punida, criticada ou castigada por contar qualquer coisa sobre o seu corpo.
Saiba com quem seu filho anda e o que ele está fazendo. Muitos dos casos de abuso infantil acontece quando uma criança passa horas sozinha com um adulto, que pode ser um membro da família ou um conhecido. Por isso, saiba o que seu filho está fazendo mesmo na sua ausência. Se for preciso deixá-lo por horas com um adulto ou um adolescente responsável, tenha meios de vigiá-los por um tempo para saber como é esta relação. O melhor é sempre preferir situações nas quais seu filho integre-se a um grupo, pois isso dificulta a ação de abusadores.
Outra coisa muito importante é sempre analisar a reação da criança. Se ela demonstra não ter afeição por alguém próximo, que ela teoricamente deveria desenvolver afeto, tente entender o motivo. Identifique os possíveis sinais de um abuso. Embora não seja fácil notar os sinais físicos de um abuso sexual, é possível que a criança tenha alterações no seu comportamento.
Campo Grande News: Como outros familiares podem contribuir para proteger crianças de abusadores?
Apesar de ser um assunto íntimo, o abuso sexual infantil deve ser combatido pela sociedade em geral. Afinal, um país que se preocupa e cuida das suas crianças e jovens é uma sociedade que oferece mais possibilidades de crescimento e de futuro. Nesse sentido, a família, as escolas e demais instituições de atenção à infância e à adolescência podem contribuir de várias maneiras.
Oferecendo informações às crianças para que elas consigam entender quando estão sendo expostas a uma situação perigosa ou que possa se configurar como abuso sexual; ouvir o que as crianças têm a dizer sempre e acreditar nelas; sensibilizar os familiares ou os responsáveis pela educação das crianças, demonstrando o quanto é importante desenvolver maneiras de fortalecer o seu filho contra o abuso sexual, com uma relação de confiança; treinando seu olhar para que ele identifique casos de violência doméstica e de abuso sexual.
Casos de violência doméstica e abuso sexual devem ser denunciados à Polícia Militar pelo 190 (se a criança corre risco imediato), à Polícia Civil ou pelo telefone 181.
(Fonte: CampoGrandeNews. Foto: Divulgação)