Quando criança, a advogada Kamila de Souza Gouveia costumava acompanhar sua mãe ao trabalho. A mãe de Kamila era professora e dava aulas a crianças com deficiência em Sergipe. Na hora do recreio, as crianças iam brincar no pátio. Foi lá que, pela primeira vez, ela viu crianças surdas se comunicarem em Libras.
— Eu levava meu lanche e ia brincar também. Aprendi alguns sinais em libras, como lanche, professor, enfim, sinais do universo infantil — lembra.
Ao voltar para casa, Kamila fazia várias perguntas à mãe: por que aquela escola era diferente? Por que os estudantes surdos quase sempre conversavam apenas entre si?
— Minha mãe não sabia responder tudo — diz a advogada.
Kamila levou as indagações vida afora. Cursou direito, e, em 2014, decidiu estudar a Língua Brasileira de Sinais (libras) no Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), o mais antigo do país. Em 2016, ingressou no mestrado na PUC-SP. Decidiu fazer sua dissertação sobre o tema “Libras, com primazia na infância, para todos”, e dedicou o trabalho aos surdos, “especialmente as crianças”.
Em agosto de 2019, quando terminou sua dissertação, Kamila tinha uma convicção: a língua brasileira de sinais deveria ser uma língua oficial brasileira. Kamila também achava que deveria ser ensinada desde a infância para todos, não apenas para os surdos.
— Não é justo que uma parte dos brasileiros se sintam como estrangeiros em seu próprio país — argumenta Kamila.
Ideia Legislativa
Assim que entregou a dissertação, a advogada percebeu que era o momento de transformar os resultados de sua pesquisa em uma ação mais concreta: cadastrou sua ideia no e-Cidadania.
— Eu não sou parlamentar, sou apenas uma cidadã. O e-Cidadania era o caminho para mim.
Depois de cadastrar a ideia legislativa, a advogada montou uma campanha, a Oficializa Libras. Também criou páginas em redes sociais, fez camisas para divulgar a proposta, mandou mensagens. Ela tinha quatro meses para conseguir 20 mil votos. Seu prazo terminaria em dezembro, mas ainda faltavam muitos apoios.
— Dezembro é um mês parado, ninguém mais se lembraria da proposta.
Foi quando Kamila decidiu bater à porta do gabinete do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), de seu estado natal, e apresentar a ideia. Ela levou a pesquisa e falou da proposta legislativa.
A ideia de Kamila não alcançou os 20 mil apoios para que seguisse à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Mas o senador Alessandro Vieira resolveu ‘adotar’ a proposta.
PEC para Libras
Em 2021, ele foi o primeiro signatário da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 12/2021, que altera o art. 13 da Constituição para incluir a língua brasileira de sinais como um dos idiomas oficiais do Brasil.
Outros 27 senadores também assinaram a PEC. Na justificativa, os parlamentares destacaram que “a presente Proposta de Emenda à Constituição foi apresentada como Ideia Legislativa no Portal e-Cidadania do Senado Federal pela Srta. Kamila de Souza Gouveia, atual Presidente da Comissão de Acessibilidade e Direito da Pessoa com Deficiência (CADPCD) da OAB/SE”.
— Meu sonho é que um dia sejamos um país bilíngue. Eu acho que o aprendizado de Libras beneficiará a todos, e não apenas aos surdos — diz a advogada.
A PEC 12/2021 aguarda a retomada do funcionamento presencial das comissões para ser analisada pelos senadores.
(Fonte: Agência Senado. Fotos: Reprodução)