Política

Negros, LGBTI+ e indígenas tentam aumentar bancadas no Parlamento

Essa janela que busca aumentar a representação negra e feminina no Parlamento valerá até o processo eleitoral de 2030

Publicado

on

O atual processo eleitoral conta com uma grande novidade: é a primeira eleição em que produz efeitos a Emenda Constitucional 111, determinando que os partidos que tiverem mais votos em candidatos negros e negras e candidatas mulheres a deputado federal terão direito a cotas maiores do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (fundo partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido como fundo eleitoral.

Essa janela que busca aumentar a representação negra e feminina no Parlamento valerá até o processo eleitoral de 2030. Na prática, os votos dados a candidatas mulheres ou candidatos negros e negras para a Câmara dos Deputados serão contados em dobro, durante esse período, na definição das cotas dos fundos partidário e eleitoral.

A contagem em dobro dos votos para mulheres e pessoas negras se junta a outros incentivos já existentes.

Na busca por maior representação de pretos e pardos na política, a lei já determina que os votos dados a esses grupos influenciem positivamente no tempo que cada partido tem de propaganda na TV e no rádio. A distribuição dos recursos do fundo eleitoral por cada partido também deve ser proporcional às candidaturas de negros e pardos. E a burla das regras por alguma legenda pode levar à cassação de seus eleitos.

‘Mudança de cor’

Essas regras de incentivo à participação negra na política parece já ter tido efeito, pelo menos no número de candidatos. O TSE registra este ano 4.886 candidatos negros, ou seja, 47% das candidaturas a deputado federal em todo o país. Em 2018 foram 3.586 candidatos pretos e pardos, ou 42% do total.

Ao todo, contando a disputa aos outros cargos em 2022, são 3.965 que se autodeclaram “pretos” (13,93% dos candidatos) e 10.182 que se autodefinem “pardos” (35,78% dos candidatos). Aliás, este critério da autodeclaração já gera grande polêmica. Isso porque um grupo de 33 deputados candidatos à reeleição por exemplo, que se declararam “brancos” em 2018, agora são “pardos”, o que pode impactar diretamente na distribuição de recursos públicos a seus respectivos partidos.

Em busca de efetivamente aumentar a representação dos negros, a ONG Coalizão Negra por Direitos lançou a campanha Quilombo nos Parlamentos. A Coalizão Negra reúne 250 organizações do movimento negro de todo o país.

A ONG Quilombo nos Parlamentos está dando apoio militante a 36 candidatos negros ao Congresso Nacional e outros 84 para assembleias legislativas. Para ter o apoio da Coalizão, a ONG entende que a candidatura precisa ser efetivamente alinhada à pauta antirracista.

“Não se trata de lutar por um projeto de Brasil para os negros, e sim por um projeto do movimento negro para todo o Brasil. Essa luta não é só a mais antiga do país: é a mãe de todas as lutas contra a desigualdade e as injustiças sociais. Reconstruir o Brasil, construir uma democracia de fato, exige lutar por equidade racial, justiça social e respeito aos direitos humanos de todas e todos”, proclama o manifesto Quilombo nos Parlamentos.

Dificuldades negras

Recentemente a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) lançou a pesquisa “Candidaturas negras para cargos proporcionais no Brasil”. O objetivo foi identificar os obstáculos enfrentados por lideranças do movimento negro em suas candidaturas.

A pesquisa baseou-se em dados do TSE (relativos aos processos eleitorais de 2014 e 2018) e entrevistas com 27 lideranças negras envolvidas na política institucional. Seja por já terem mandato, por terem se lançado como pré-candidatos ou que consideraram a possibilidade, mas desistiram.

A falta de recursos foi apontada como uma das principais barreiras enfrentadas pelas lideranças ouvidas pela UERJ. O que levou os pesquisadores a investigar como se deu a distribuição dos fundos eleitorais pelos partidos entre candidatos homens, mulheres, brancos e negros. Nesse aspecto a pesquisa abordou a partir de 2016, com a criação dos fundos e o fim das contribuições de empresas.

Segundo a UERJ, as novas regras serviram para mitigar ligeiramente a desigualdade de gênero na distribuição dos recursos. Mas não tiveram efeito sobre a de raça. Em relação às candidaturas a deputado estadual em 2018, as mulheres brancas foram as que mais se beneficiaram, elevando em 15% a participação no total dos recursos. Já no caso das candidaturas a deputado federal, a participação de homens brancos nos recursos caiu, mas permaneceu sendo dominante, com 57%.

As candidatas mulheres brancas e pardas ganharam espaço (passando para 18% e 5%, respectivamente), mas continuam muito longe de atingir a igualdade em relação aos homens. A fatia de recursos abocanhada por homens brancos é 3,4 vezes maior que a dos negros, 3,2 vezes maior que a de mulheres brancas e 6 vezes superior à das mulheres negras.

A desigualdade na distribuição do “fundão eleitoral” refletiu-se no sucesso das candidaturas. Na disputa para deputado federal em 2018, os homens brancos foram eleitos em número quatro vezes superior aos homens negros, seis vezes superior às mulheres brancas e mais de 20 vezes superior às mulheres negras.

Soluções antirracistas

Para mitigar os problemas enfrentados pelos candidatos negros, a UERJ recomenda a criação de programas de apoio específico a essas candidaturas desde a pré-campanha, período no qual as lideranças disseram contar apenas com recursos próprios ou a ajuda de amigos. Além disso, os partidos devem prover apoio jurídico, de planejamento, comunicação e contabilidade. Também devem adotar ações de segurança e proteção da saúde mental para candidatos negros e agentes de suas campanha, devido a constantes relatos de violências e situações hostis por que passam em processos eleitorais.

Comunidade LGBTI+

Outro segmento que tem, através da militância ativa, tentado aumentar a quantidade de representantes é o LGBTI+. Para isso foi criado o coletivo #VoteLGBT+, que reúne profissionais de diversas áreas como jornalismo, direito, economia e antropologia. Foi criado em 2014 e entende a representatividade de forma interseccional às pautas de gênero e raça, compreendendo a diversidade como um valor fundamental à democracia.

Em 2022, o #VoteLGBT+ comemora o lançamento de ao menos 256 candidaturas abertamente LGBTI+ em todo o país, um recorde, representando 21 partidos. Em pesquisa que o coletivo fez na recente Marcha do Orgulho LGBT em São Paulo, 88% dos pesquisados disseram preferir votar em candidatos abertamente “fora do armário”. Mas só 45% conheciam alguma candidatura já lançada com esse perfil.

Para o coletivo, a eleição de candidatos diretamente vinculados às pautas gay, lésbica, trans e demais é importante na efetivação de políticas públicas mais inclusivas. Com esse objetivo, a ONG fez parcerias com o Google e a ONG americana Victory Institute, na criação de webnários com aulas práticas e cartilhas (disponíveis na internet) que ajudam na relação com os partidos. Além disso, o coletivo vem fornecendo apoio psicológico aos candidatos, pois não raro sofrem violências e hostilidades em suas campanhas.

Os webnários e cartilhas também abordam estratégias de financiamento das campanhas, táticas de comunicação, informações sobre a lei eleitoral e até dicas de saúde mental para campanhas entendidas como “intrinsicamente estressantes”. O material ainda aborda estratégias para campanhas digitais e importantes informações para que os candidatos não sofram agressões físicas e psicológicas em suas campanhas.

A parceria da #VoteLGBT+ com o Google e a Victory Institute também permitiu à ONG ter recursos para o treinamento de lideranças e a criação de ferramentas de ampliação da participação política. O coletivo tem realizado pesquisas investigativas sobre a população LGBTI+, incidências legislativas, promoção de visibilidade a candidaturas LGBTI+ e pró LGBTI+, criação de plataformas, ferramentas digitais e campanhas de sensibilização social.

No processo eleitoral de 2022 a #VoteLGBT+ realiza a pesquisa “Censo +LGBT na Política”. Dados sobre processos eleitorais anteriores, ou mesmo já referentes ao atual processo, indicam que a maioria das candidaturas não consegue ser competitiva devido à falta de apoio dos partidos. Há pouco ou nenhum compromisso real da maioria dos partidos com pessoas LGBTI+ e suas causas, segundo a pesquisa.

Historicamente as candidaturas LGBTI+ recebem poucos recursos financeiros dos partidos, o que afeta diretamente a competitividade. Uma pesquisa recente da ONG apresentou casos de preconceito e violência política de outros membros em diferentes siglas, resultando em ambientes hostis que impedem o engajamento.

Já sobre a candidaturas especificamente trans, o TSE informa que 36 candidatos concorrerão com o nome social.

Indígenas

Os indígenas também têm se mobilizado para aumentar a representatividade política. Recentemente a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou a campanha “Aldear a Política”, um chamamento a todos os indígenas para que atuem buscando eleger candidatos que sejam diretamente representantes dos povos originários.

Para a Apib, os indígenas sofrem uma “sub-representação gritante” nos parlamentos. A ONG também avalia que a conjuntura atual é marcada pelo desmonte “sem precedentes” das instituições e políticas específicas conquistadas pelos povos originários a partir da Constituição de 1988.

“Recordamos a extinção de colegiados em que participávamos para incidir na definição das políticas que nos dizem respeito. A Funai, entregue ao controle ruralista, eximiu-se de sua missão institucional de promover e proteger nossos direitos. Especialmente nosso direito às nossas terras, que como outros territórios e áreas protegidas sofrem as consequências da política de devastação atual, incentivadora de crimes cometidos por garimpeiros, grileiros e madeireiros”, denuncia o documento Aldear a Política.

Segundo os dados do TSE, 178 indígenas são candidatos aos cargos em disputa em 2022, o que significa 0,63% dos candidatos.

Entrevista com o cientista político Antônio Augusto de Queiroz

Antônio Augusto de Queiroz é mestre em políticas públicas e governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Também é consultor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e atua no jornalismo, sendo colunista do Congresso em Foco e coordenador do Cabeças do Congresso. É autor dos livros Por dentro do processo decisório—como se fazem as leis e Por dentro do governo—como funciona a máquina pública. Também dirige as empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”.

Agencia Senado — Que impacto você avalia que a Emenda Constitucional 111, que vinculou a distribuição de verbas do fundo partidário e do fundo eleitoral à quantidade de votos de cada partido na eleição para a câmara federal em candidatos negros e mulheres, pode ter na representação política?

Antônio Augusto de Queiroz — A contagem em dobro dos votos dados a mulheres e negros, exclusivamente para efeitos dos fundos eleitoral e partidário, combinado com a obrigatoriedade aos partidos de destinarem 30% dos recursos do fundo eleitoral e tempo de TV e rádio, será um grande incentivo sobretudo às candidaturas femininas.

Antes os partidos destinavam 30% de vagas para as candidatas, mas não eram obrigados a dar suporte financeiro ou espaço na propaganda. Por isso preenchiam as vagas com “candidatas-laranja”, visando só cumprir essa formalidade. Agora são obrigados a abrir espaço no horário eleitoral e destinar recursos para as campanhas, e terão esse incentivo de contar em dobro até o processo eleitoral de 2030, nos votos dados a mulheres e negros.

O impacto dessas mudanças tende a ser significativo, contribuindo no aumento do número de mulheres e negros nos parlamentos. Os partidos, tanto pela obrigação de gastos e de destinar espaço no horário eleitoral, quanto pelo incentivo de receber em dobro por estes votos, tendem a incentivar essas candidaturas a terem a maior votação possível. Ainda não é o ideal, porque não garante a eleição, mas é um passo importante na redução da assimetria de representação nos espaços de poder nas questões de raça e gênero.

AS — Tem causado polêmica o fato de diversos candidatos, em diversos estados, estarem se autodeclarando como negros ao TSE, sem serem negros. Que avaliação você faz desse fenômeno?

AAQ — A situação é complexa. De um lado existem pessoas que por suas ancestralidades são negras, porém a característica não necessariamente se expressa efetivamente na cor da pele, quando é um pouco mais clara do que negra. Nesses casos, a autodeclaração é válida, sendo possível provar a origem negra.

Por outro lado, há brancos que durante o período eleitoral se declaram “pardos” ou “negros” com objetivos eleitorais. Nesses casos agem por conveniência política, só que este não é o objetivo da legislação. A legislação existe para determinar benefícios a candidatos efetivamente negros e combater o racismo estrutural. Os brancos jamais foram excluídos do convívio social ou do acesso a bens econômicos e poder devido à cor de sua pele.

Ou seja, entendo que cada caso desse tipo deva ser analisado à luz da situação concreta. Defendo inclusive que quem forja a etnia visando benefícios políticos, numa lei com objetivo antirracista, deva ser punido.

AS — Os recentes processos eleitorais têm mostrado uma quantidade maior de negros, indígenas e LGBTI+ que conseguem se eleger. O sr. avalia que esta é uma tendência consolidada?

AAQ — De fato, além das mulheres, algumas minorias sociais discriminadas, como os negros, indígenas e LGBTI+, têm buscado se organizar para defender seus direitos, especialmente frente ao crescimento das forças que lhes são hostis no Parlamento e na sociedade.

A busca por mandatos no Legislativo ganhou prioridade nos últimos anos, pois o Legislativo é visto como um espaço institucional importante na aprovação de políticas públicas que garantam direitos e proteção a estes segmentos. O crescimento da presença destes segmentos no Legislativo ainda é muito tímida, mas vem crescendo gradualmente.

AS — Em que medida os racismos e preconceitos estruturais que marcam a sociedade brasileira atrapalham as candidaturas desses segmentos?

AAQ — A simples suposição de que uma pessoa, por conta da sua etnia, gênero, cor de pele ou orientação sexual é inferior à outra, além de uma agressão à dignidade e à liberdade, expressa uma forma perversa de opressão contra suas diferenças, que representam obstáculos na vida. Qualquer forma de racismo ou preconceito é excludente e, portanto, dificulta o convívio social. Nos casos de candidaturas é mais grave ainda, por isso a necessidade de legislação que garanta igualdade de oportunidades e meios para a participação desses segmentos no processo eleitoral e político.

Entretanto, quando eleitos e no exercício do mandato, como regra, as minorias sociais apresentam um desempenho acima da média. Basta ver a produtividade da bancada feminina e, a título de exemplo, cabe citar o orgulho dos gaúchos em ter o senador Paulo Paim (PT-RS) como representante de seu estado no Senado.

AS — Em que medida uma representação política mais diversa beneficia a sociedade?

AAQ — A diversidade é sinônimo de pluralidade e só através de uma representação política mais diversa é possível jogar luz sobre as causas e necessidades de todos, especialmente das minorias sociais que precisam de voz nos espaços de poder. Nessa perspectiva, a diversidade é uma forma de inclusão que beneficia toda a sociedade. Não apenas trazendo soluções mais criativas para os problemas, mas também ampliando a tolerância e melhorando o convívio social. A presença das minorias nos espaços de poder serve de referência e melhora a autoestima de seus representados. É um processo saudável de perspectiva de inclusão política, econômica, social e cultural no futuro.

(Fonte: Agência Senado. Foto: Divulgação)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais Lidas

Sair da versão mobile