Oftalmologista. Tiranossauro Rex. Proparoxítona. Propositalmente. Alice acabou de completar 2 anos, mas pronuncia tão bem essas palavras enormes que viralizou nas redes sociais.
O primeiro vídeo em que ela aparece e que começou a ser muito compartilhado na internet foi em fevereiro deste ano. “E aí foi numa sequência, tudo muito rápido”, conta a mãe, Morgana Secco.
Como costuma ocorrer com outras crianças, vídeos começaram a ser gravados desde que Alice nasceu e são exibidos para amigos e familiares por meio de redes sociais e aplicativos de mensagens.
O processo de aquisição da linguagem de Alice ganhou força por volta dos 8 meses de idade, quando tentava falar a palavra “batata”, balbuciando “tatáta”. Com 1 ano e 1 mês, ela passou a tentar repetir todas as palavras que ouvia em casa e a falar frases com diversas palavras.
“Foi nessa hora que a gente percebeu que tinha uma facilidade com isso e que ela gostava, era algo precoce em relação a outras crianças”, conta Morgana.
Especialistas apontam que, em geral, as crianças começam a balbuciar entre 3 e 6 meses de idade, falam as primeiras palavras entre 10 e 12 meses e por volta de 1 ano e meio constroem as primeiras frases, com duas ou três palavras. Até os 3 anos, a criança vive uma explosão vocabular, passando a construir frases completas.
Um dos pilares desse desenvolvimento da fala é a quantidade de palavras a que a criança é exposta em casa.
Nos anos 1990, os pesquisadores americanos Betty Hart e Todd Risley foram para casas de famílias de diferentes grupos socioeconômicos e passaram uma hora por mês, ao longo de dois anos, fazendo gravações.
Analisando os dados, eles descobriram que as crianças das famílias mais pobres ouviam, por hora, um terço da quantidade de palavras em comparação às crianças das classes mais altas.
Segundo a projeção deles, aos 4 anos de idade, haveria uma diferença de 30 milhões de palavras entre o que as crianças de origem pobre e as de origem rica foram expostas.
Vídeos e redes sociais
Nascida em Londres, Alice completou 2 anos em meados de 2021 e ainda não frequenta a creche. Os vídeos em que pronuncia palavras difíceis e outras nem tanto começaram como brincadeiras. Ela tomou gosto e, em uma das vezes, a mãe decidiu filmar.
“Como eu já tinha brincado com ela antes, ela lembrou e pediu para falar de novo. Essas palavras que ela falou no desafio, a maioria delas, ela não sabe o significado. A gente explica quando faz parte de um contexto, mas tem umas que eu nem sei o que significam”, diz a mãe.
Apesar da dificuldade de compreensão inerente à idade, os pais contam que costumam explicar para a filha os motivos por trás de pedidos ou atividades do dia-a-dia, por exemplo, Em um dos vídeos, a mãe pergunta a ela por que se deve comer brócolis. “Pro corpo ficar forte. Faz muito bem pra saúde”, responde Alice, enquanto come o vegetal.
Essas explicações, segundo sua mãe, tendem a ajudar a filha decidir sobre fazer ou não algo, como é o próprio caso do brócolis. Na ocasião do vídeo, ela não queria mais comê-lo, mas depois de ouvir a explicação sobre a importância do alimento para a saúde, decidiu retomar as garfadas.
Morgana mantém um canal no YouTube que atualmente tem 51 mil inscritos, um perfil no Instagram que tem 1,5 milhão de seguidores e outro no TikTok com 2,4 milhões.
Neles, compartilha vídeos da filha, momentos do dia a dia e dicas de como estimular o desenvolvimento da fala da criança, a exemplo de explicar cada coisa para a criança mesmo que ela “pareça não entender”, cantar músicas juntos e ler livros.
O futuro de uma criança começa a ser desenhado no ambiente familiar, principalmente ao longo da primeira infância. Por isso, seguindo os rumos apontados pela Política Nacional de Alfabetização (PNA), o Ministério da Educação lançou o programa Conta pra Mim, que tem como objetivo a ampla promoção da literacia familiar.
Pandemia
Por outro lado, ao longo da pandemia de covid-19, muitas crianças passaram a ter novos obstáculos no desenvolvimento da fala. Há diversos elementos envolvidos nesse contexto, segundo especialistas, mas um deles foi o isolamento social e o maior uso de equipamentos eletrônicos.
“Eu acho que talvez a pandemia tenha prejudicado as outras famílias em que os pais precisavam trabalhar e acabavam não conseguindo dar atenção para as crianças. Daí as crianças acabam ficando muito tempo na frente da televisão ou de celulares. E é comprovado: tem pesquisas que mostram que o excesso de aparelhos eletrônicos podem prejudicar o desenvolvimento da fala”, afirma Morgana.
No caso de Alice, “ela não vê nada de televisão e nem usa nada de celular, ela nem sabe que isso existe”.
E o que dizer sobre os vídeos que a mãe de Alice grava? Isso não seria poderia vir a ser uma superexposição da criança à tecnologia e às redes sociais? Morgana afirma tomar “muito cuidado” com tudo que compartilha da filha.
“Porque às vezes as pessoas têm a sensação de que eu estou compartilhando tudo que ela faz e que estou o dia todo filmando ela. Mas o que eu compartilho ali são dois, três minutos do nosso dia que eu seleciono com muito cuidado.”
O mais visto dos 19 vídeos publicados no canal no YouTube, Alice “Lendo” Livro Que Mundo Maravilhoso, tem 240 mil visualizações. No Instagram, o vídeo com Alice pronunciando palavras difíceis recebeu 1,6 milhão de curtidas e é o mais popular entre os mais de mil vídeos e fotos. No TikTok, esse mesmo vídeo foi visto mais de 36 milhões de vezes.