Vacina contra a dengue aplicada em quase 6 mil moradores de Dourados (MS) até ontem (11), a Qdenga tem falta de dados colocada em xeque por alguns especialistas. A questão envolve a proteção a todos os sorotipos da doença e possíveis efeitos da imunização.
A doença viral pode se apresentar de quatro formas, sendo elas os sorotipos 1 até 4. Testes clínicos da vacina apontam proteção de 69,8% para o tipo 1 e 95,1% para o tipo 2. No entanto, a proteção para o 3 ficou abaixo do limite de eficácia (48,9%, com intervalo de 27,2%-64,1%) e, para o 4, foi inconclusiva.
Nesta semana, a Folha de São Paulo publicou reportagem sobre o assunto. Um dos especialistas ouvidos é Leonardo Bastos, coordenador do boletim InfoDengue da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
“Há pouca evidência de que a vacina não aumenta as chances de casos graves em pessoas que nunca tiveram a dengue; se isso ocorrer e houver uma epidemia de dengue 3 ou 4, implementar a vacina na população geral pode ser arriscado”, ele avaliou.
Já a proteção para os dois primeiros sorotipos é bem-vinda. “É uma vacina extremamente boa para os tipos 1 e 2, que ainda são predominantes no Brasil”, avalia o infectologista Julio Croda, coordenador do estudo que vai avaliar a efetividade do imunizante no município sul-mato-grossense.
Outro especialista entrevistado foi o sanitarista e pesquisador Claudio Maierovitch, também da Fiocruz. Ele comenta sobre um efeito que pode surgir ao aplicar a vacina no público geral. O que preocupa os cientistas nesse cenário é a ocorrência de uma reação chamada ADE (aumento dependente de anticorpo, na sigla em inglês).
Com isso, a produção de anticorpos ligados aos diferentes sorotipos seria induzida, mas sem ser igual para cada um deles. Assim, no momento de uma infecção por um dos tipos do vírus, as células de defesa criadas poderiam ajudar a infecção do vírus, em vez de combatê-lo. Haveria, então, risco de causar um quadro parecido com o de dengue hemorrágica entre algumas pessoas que tiverem a doença pela segunda vez.
“Se persiste uma possibilidade razoável de infecção entre os vacinados [pela falta de proteção contra os sorotipos 3 e 4], há o temor de que possa ocorrer a mesma coisa que houve com a vacina da Sanofi, ou seja, um aumento do risco de agravamento entre pessoas vacinadas que ficam doentes”, explicou Maierovitch.
A outra vacina citada por ele é a Dengvaxia. Sanofi é o nome do laboratório que a produziu. Foram relatadas reações adversas a ela em crianças nas Filipinas, após uma infecção pelo sorotipo 2, que as levou à hospitalização. Fato que motivou a revogação da aprovação da vacina naquele país.
Maurício Nogueira, virologista e professor da Faculdade de Medicina de Rio Preto, apontou que até então não há dados suficientes para ter certeza se o mesmo não irá ocorrer com a Qdenga. “Inclusive, membros da SBMT [Sociedade Brasileira de Medicina Tropical] se reuniram para avaliar [a incorporação no SUS] e chegamos à conclusão que não deveria ocorrer neste momento, justamente pela ausência desses dados sobre ADE”, disse.
Preocupação sobre a vacinação de crianças abaixo dos seis anos de idade foi destacada por Mauro Martins Teixeira, professor de Bioquímica e Imunologia na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). “Crianças muito novas, que não tiveram ainda uma infecção prévia por dengue, talvez seria melhor conduzir estudos antes da imunização em larga escala [das crianças]”, ele sugeriu.
Laboratório e Ministério – O Ministério da Saúde incluiu a Qdenga em seu calendário de imunização no ano passado.
Sobre as dúvidas quanto à Qdenga, a pasta afirmou à Folha que benefícios superam os possíveis riscos ligados ao imunizante. Equipe ministerial deve se reunir na próxima segunda-feira (15), para definir como será o calendário de vacinação e os grupos prioritários para receber a vacina a partir de fevereiro.
Já a Takeda, empresa japonesa que fabrica a vacina, informou ao jornal que o imunizante não apresentou nenhum risco de segurança ou agravamento de doença associado à vacinação, entre quem já teve ou não exposição ao vírus, após um estudo de mais de quatro anos.
“Especificamente em relação à ADE, os estudos clínicos realizados até o momento não sugerem risco de agravamento da doença associado à Qdenga, mesmo na ausência de eficácia demonstrada contra o sorotipo 3 em soronegativos. Referente ao sorotipo 4 nesta mesma população, não houve casos suficientes que permitissem a avaliação de eficácia”, respondeu a fabricante.
Quando questionada sobre os possíveis dados de reação ADE, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) informou que a Qdenga demonstrou eficácia na prevenção da febre causada pela dengue em crianças e adolescentes, isso nos 12 meses seguintes à segunda dose do imunizante.
O Ministério da Saúde, ainda, respondeu à Folha que não há evidências, até o momento, de ocorrência do efeito adverso ADE em pessoas que tenham recebido as injeções.