Faz quase uma semana que dois jacarés trocaram seu habitat natural por uma piscina de uma pousada no coração do Pantanal matogrossense, em uma tentativa desesperada dos animais em escapar do fogo e da estiagem extrema na região.
A pousada e seus donos não serão identificados – eles temem impactos no turismo, sua fonte de renda.
Mas, com seus mais de 25 anos de experiência no ramo hoteleiro na região, o dono da pousada conta à BBC News Brasil que foi a partir do ano passado – quando a devastação do Pantanal começou a produzir cenas chocantes e as queimadas eliminaram quase um terço de todo o bioma brasileiro – que ele começou a ver animais buscando refúgio nas piscinas e nas áreas construídas para uso humano, em busca de hidratação e comida.
Nesta mesma época no ano passado, “tivemos antas aparecendo nos nossos restaurantes, jaguatirica aparecendo na cozinha. Na piscina chegaram a cair búfalo, anta. Um veado morreu tentando beber água de lá”, relata.
“Muitos animais sequer conheciam o fogo, porque fazia muitos anos que não havia incêndio. Daí a defesa deles é subir nas árvores, correr; às vezes eles até correm para o lado errado – para o lado do incêndio – e morrem queimados. Vi coisas que nunca tinha visto antes. São coisas que a gente não esquece. Seca tudo ao redor, e o desespero deles (animais) é por água e alimentos.”
Neste ano, até o momento, os incêndios no Pantanal seguem acima da média histórica da região, despertando preocupação em ambientalistas e moradores locais. “Eu particularmente não tenho esperança de chuva por enquanto”, diz o pousadeiro. “Então a gente tem que correr atrás para salvar o que consegue, e ver se no ano que se previne para evitar tantos problemas.”
Embora torça para que os jacarés possam ser removidos o mais rápido possível – o que será feito elevando mais o volume de água da piscina e acionando as autoridades ambientais -, até o momento ele acha que o local pode ser a única chance de sobrevivência dos animais.
“Por enquanto, não vou cobrar a estadia deles”, brinca. “Não vi a necessidade de tirar eles de lá, porque estão sobrevivendo.”
Segundo o pousadeiro, os jacarés conseguem se alimentar de pequenos sapos que aparecem por ali, ou mesmo suportar alguns períodos sem comida. O principal, no momento, é a água.
“Estamos em mais um ano de uma das maiores secas (da história da região). Os jacarés são animais que sempre ficam muito próximos ao corpo d’água, a maior parte do dia inclusive imersos na água. Na ausência desses pontos com água, e muitas vezes por causa dos incêndios – quando eles precisam fugir urgentemente – eles procuram qualquer corpo d’água que seja próximo”, explica à BBC News Brasil o biólogo Heideger Nascimento, integrante da ONG Chalana Esperança.
Nascimento é o autor das fotos que ilustram esta reportagem. Ele conta que elas foram tiradas na região próxima ao quilômetro 100 da estrada Transpantaneira, em um dos maiores focos de incêndio ativos atualmente no Pantanal.
“Eles (jacarés) veem o corpo d’água e vão para lá, desesperadamente. Às vezes, por causa da borda piscina, eles não conseguem sair. Por sorte é um animal que fica bem na água, mas sabemos de acidentes de animais que acabam morrendo afogados. Caem na água no desespero da desidratação, fracos, e não conseguem sair.”
“Eles (jacarés) veem o corpo d’água e vão para lá, desesperadamente. Às vezes, por causa da borda piscina, eles não conseguem sair. Por sorte é um animal que fica bem na água, mas sabemos de acidentes de animais que acabam morrendo afogados”. HEIDEGER NASCIMENTO – CHALANA ESPERANÇA
4,65 bilhões de animais impactados no Pantanal
O efeito das queimadas e da estiagem na fauna local tem sido devastador.
De janeiro de 2020 até meados deste ano, queimadas haviam destruído 3,8 milhões de hectares no Pantanal, afetando ao menos 65 milhões de animais vertebrados nativos e 4 bilhões de invertebrados, aponta um estudo publicado em junho por pesquisadores das organizações ambientais ICMBio, PrevFogo/Ibama e Embrapa Pantanal, feito com base na densidade das espécies presentes nos locais afetados.
Esses animais sofreram tanto impacto direto – como ferimentos ou morte – ou indireto, pela perda de seu habitat.
Em seca aguda desde 2019, o Pantanal tem visto “a quantidade de água reduzir nas planícies e rios, resultando em um solo e vegetação extremamente secos, aumentando o risco de incêndios”, aponta o estudo.
“Embora as mudanças climáticas sejam uma das principais causas dos incêndios descontrolados pelo mundo, e fogos naturais possam ocorrer, no Pantanal quase 98% das queimadas são causadas por atividades humanas, sejam acidentais ou criminais”, prossegue o texto.
O bioma brasileiro, que é a maior área úmida do planeta, foi uma das que mais perderam superfície de água no país nas últimas três décadas, segundo um levantamento recente da rede de pesquisadores MapBiomas. (Fonte: BBC Brasil)