Com o objetivo de garantir mais cidadania e qualidade de vida para as pessoas idosas indígenas, o projeto Envelhecer na Aldeia quer realizar uma escuta com pessoas idosas nas aldeias de Mato Grosso do Sul para coletar dados do processo de envelhecimento. As entrevistas realizadas vão fechar um diagnóstico com as demandas mais mencionadas.
A iniciativa é uma ação da Subsecretaria de Políticas Públicas para as pessoas idosas, de forma transversal com a Subsecretaria de Povos Originários e a Fundação Estadual de Cultura, ligadas à Setescc (Secretaria de Estado de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania).
Como forma de preservar as histórias das pessoas idosas indígenas de Mato Grosso do Sul, o projeto se desdobrou em um documentário com vários depoimentos sobre a história de vida dessas pessoas.
A primeira comunidade ouvida foi a aldeia Lagoinha em Taunay, distrito de Aquidauana, e um dos problemas mais recorrentes é o de visão. Algumas pessoas idosas estão ficando totalmente cegas ou se recuperando de alguma cirurgia ocular.
A iniciativa pretende aproximar o poder público das comunidades, e registrar as histórias destes encontros. Por meio da linguagem do cinema, as filmagens vão servir de ponto de reflexão da condição social daquele povo.
Tendo em vista que os anciãos indígenas são verdadeiras bibliotecas vivas e que o tempo apagará os saberes se não forem registrados para que a geração mais nova tenha acesso.
Para a subsecretária de Políticas Públicas para as Pessoas Idosas, Zirleide Barbosa, não é possível pensar e construir política pública sem ouvir o público alvo e sem dialogar com os setores responsáveis pela sua execução lá na ponta.
“Cada parceiro tem um papel importante desde a rede de atendimento a demais setores do governo. O objetivo é garantir os direitos da pessoa idosa indígena para alcançar um envelhecimento saudável”, frisa.
Os povos originários, de maneira geral, são os guardiões e transmissores de muitas das tradições e da identidade cultural brasileira. Por tratar de um povo de saberes orais, as pessoas mais velhas que estão na comunidade indígena podem ser vistas como guardiões da cultura ancestral.
Ao considerar a sobrevivência destes povos é preciso olhar atentamente para mulheres e homens idosos e as diversas formas de envelhecer no território.
O lamento de não compartilhar
Com a escuta foi possível entender as vivências das pessoas idosas e os papéis que ocupam na comunidade. Nos depoimentos, eles contaram as suas maiores alegrias, lamentos, sonhos e desejos, mostrando que ainda têm muito para viver e somar com as suas comunidades.
Dona Nilza Miguel Reginaldo, 73 anos, relata que se arrepende de nunca ter ensinado a língua terena para os filhos. Por ter sofrido para aprender português, ela não quis passar a língua materna adiante, pensando que dessa forma eles aprenderiam o português com mais facilidade.
“A gente errou muito nisso, mas era dolorido demais você estar em um lugar, as pessoas riem, você ri e nem sabe do quê, isso é triste”, lamenta ao recordar como era não entender o português.
História de amor
Nilza também pode relembrar alguns momentos felizes e tristes de sua história. Para ela, o momento mais feliz de sua vida foi quando conheceu o seu esposo, com quem está casada há 47 anos. Ela trabalhou como parteira por 27 anos, atendendo toda a região de Taunay que abarca sete aldeias.
Conheceu o que seria seu futuro marido com 8 anos de idade, o tempo passou e com 22 anos se reencontraram e casaram. Hoje, os dois aposentados vivem felizes, e “curtem” a velhice juntos na aldeia, desfrutando da companhia um do outro e também se ajudando nas dificuldades.
“Foi uma decisão importante porque o casamento é para toda a vida, até que a morte os separe, é uma palavra muito forte na hora do casamento, eu tive um namoro, o noivado e o casamento religioso e civil, foi a decisão mais difícil da minha vida e Deus tem nos abençoado até aqui”, ressalta.
Intergeracionalidade
Emilda da Silva Luiz, 78 anos, cresceu na aldeia Bananal. Apesar da tristeza de ter perdido o marido, Emilda sente-se feliz em morar na aldeia, onde ela pode plantar, árvores, laranja, ponkan. Emilda adotou o seu neto que agora passa a chamar de filho. “Eu sei que ele tem amor em mim, vai na faculdade e logo quando chega já me procura”, ressalta.
Emilda começou a pensar que a velhice estava chegando quando começou a adoecer. Por causa da diabetes começou a tomar insulina, o que trouxe para ela um senso de velhice e que as coisas não eram mais iguais antes.
Neemias da Silva Luiz, é filho de Emilda, tem 26 anos e está cursando o segundo semestre de matemática. Para ele os indígenas idosos são um exemplo a ser seguido. Minha mãe sempre me incentivou a voltar a estudar.
“Meu pensamento já era trabalhar, aí ela ficava falando você tem que estudar, aí eu fiz vestibular e passei, já estava querendo trabalhar aí de tanto ela ficar falando tem que estudar, eu resolvi estudar”, conta.
Além disso, Neemias, relata que todo dia aprende uma coisa diferente com sua mãe. “Ela me ensina a cada dia, e passa o exemplo do que ela viveu no passado, ela sempre fala comigo. Eu acho bem importante isso, eles deixam pra nós um legado”, frisa.